segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Ombros Armas!


Após 64 anos da participação do Brasil em uma Guerra Mundial (1945 a 2009), ainda não há consenso sobre os motivos exatos da entrada de nosso país nesse conflito e sobre as suas várias conseqüências e significações. Aliado a esse fato, há o nosso esquecimento com relação à memória dos nossos pracinhas, cidadãos diretamente envolvidos nesse acontecimento histórico. Entretanto, nossos ex-combatentes vêm resistindo bravamente à indiferença como resistiram nos tempos das granadas e das ‘lurdinhas’ alemãs em 1944 e 45. Alheios à dinâmica própria da luta de classes e aos artifícios do poder (aliás, causa provável do esquecimento de suas memórias), esses cidadãos continuam firmes na defesa de sua história que, na verdade, se confunde com um momento muito significativo da história de nosso país. Na tentativa de ajudá-los nessa campanha, proponho uma breve viagem no tempo para resgatarmos o contexto histórico no qual a FEB foi criada, uma época promissora e dramática vivida pelo Brasil e pelo mundo. Pretendemos com isso fazer apontamentos, esclarecer algumas dúvidas e dar a nossa contribuição para o polêmico debate sobre a participação brasileira nesse conflito mundial.

A participação do Brasil na 2ª Guerra, lutando ao lado do Exército norte-americano contra as forças armadas alemãs e italianas, ocorreu em um complicado contexto diplomático, político e militar. Vejam a seguir o que quero dizer.
Por volta dos nos anos 30, o governo dos EUA preocupava-se com a segurança política e militar do continente americano. Roosevelt, junto com seus conselheiros, nutriam um medo de o nazi-fascismo atrair os governos latino-americanos para a órbita de seus interesses. Segundo os norte-americanos, isso seria feito através da influência do modelo de desenvolvimento econômico e político proposto pela Alemanha: totalitarismo, industrialização e desenvolvimento militar como bases do progresso nacional. As décadas de 30 e 40 foram momentos em que o capitalismo foi claramente monopolista e imperialista e as potências mundiais tinham a geopolítica como elemento de supra-importância para as decisões governamentais. Nesse contexto, a América Latina, e o Brasil em especial, chamaram atenção dos norte-americanos e o nosso país entrou profundamente na pauta das discussões e projetos de mundo ianques.

O Brasil em meados dos anos 30 tinha significativa relação comercial com a Alemanha e a Itália por meio da negociação e aquisição de armamentos para o Exército nacional e de submarinos para a nossa Marinha. A população brasileira era constituída, principalmente em sua região mais populosa (o sudeste), de um grande contingente de imigrantes italianos, japoneses e alemães, nacionalidades constituintes do futuro Eixo. Além disso, o Estado Novo getulista, regime ditatorial, era assemelhado com os governos nazi-fascistas europeus. Portanto, para a visão ianque a “modernização do Brasil”, colocada em prática desde a “revolução de 30”, seguia por caminhos preocupantes. Nossa indústria de base, a “menina dos olhos” de Vargas, ainda poderia ser reforçada com a implantação de tecnologia “Krupp” que vinha da Alemanha. Portanto, esses fatos já eram suficientes para gerar uma grande dor de cabeça nos estrategistas geopolíticos ianques. Nessa conjuntura, o Brasil, sua sociedade e seu governo se tornaram uma preocupação diária para os EUA.

Roosevelt ainda tinha outra espécie de preocupação com o território tupiniquim: a inserção do Brasil em uma geografia mundial de guerra. No final dos anos 30, quase todo mundo já sabia da possibilidade de uma guerra mundial devido à corrida armamentista iniciada há tempo pelas potências econômicas da época. Nesse provável cenário bélico, em um primeiro momento em território europeu e posteriormente em território africano, a proteção da América do Sul tornava-se importante para evitar um futuro desembarque do Eixo por aqui. Era preciso construir aqui um forte foco de resistência a uma invasão inimiga. Nessa visão, os EUA encaravam o controle do Nordeste brasileiro como vital para o domínio militar Aliado do Atlântico Sul, pois acreditavam ser ali o ponto mais provável de uma invasão alemã já que se tratava do local americano mais próximo da África do Norte. Não era nenhum absurdo prever nessa época que Natal poderia ser utilizada como base para uma força européia inimiga para transportar tropas para a África já que governos como os da Argentina e do Chile também mostravam clara simpatia pelo nazi-fascismo. Portanto, o governo norte-americano acreditava que Natal deveria ser utilizada pelos Aliados como um ponto avançado de resistência à formação de um bloco de países sob a influência geopolítica alemã e posteriormente para transportar tropas, materiais bélicos e suprimentos Aliados para a África e dela para a Europa em um cenário de guerra mundial contra o Eixo.

Do ponto de vista ianque, a questão brasileira era colocada da seguinte forma: dominamos militarmente o Nordeste do Brasil para incluirmos a América do Sul no esforço de guerra (caso não haja a autorização brasileira) ou negociaremos a ocupação por meio e um plano de armamento das forças armadas brasileiras para que ela e nós norte-americanos façamos essa proteção? De uma forma ou de outra, a única certeza que o governo Roosevelt tinha no início dos anos 40 era que o Brasil, um país de grande litoral atlântico, precisava ser incorporado ao esforço geopolítico norte-americano de resistência ao nazi-fascismo tendo seu território incluído no projeto militar de proteção da América Latina.

Frente a esse cenário complexo, o governo Vargas possuía seus próprios interesses e pontos de vista. Uma das posições brasileiras era e de que a presença de forças militares estrangeiras no Nordeste deveria ser negociada. A visão estratégica do governo getulista propunha projetos ambiciosos: aproveitar essa conjuntura para poder ter a oportunidade de construir um ‘país moderno’. Para tanto, era preciso modernizar e reequipar as forças armadas para poder obter definitivamente o apoio dessa instituição ao seu governo. Aceitando a parceria militar norte-americana, potência bélica mundial, Vargas concretizaria um de seus desejos (compartilhado por parceiros militares) de ver o Exército brasileiro equipado com o que havia de melhor em armamentos, treinamento e logística.

Um outro desejo getulista era ver o Brasil ser tornar uma potência regional latino-americana, revertendo no cenário mundial sua tradicional posição de mero fornecedor de matéria-prima e consumidor de produtos industrializados, transformando-se em um “país adulto” e moderno. Nesse contexto, possuir apenas um potente exército não bastava para a consolidação de seu projeto econômico e para reversão política brasileira na América Latina e no Mundo.

Após uma série de modificações modernizantes realizadas na economia, Vargas e seu governo ditatorial viam no desenvolvimento [industrialização pesada nacional] um ponto pacífico para iniciar essa virada de mesa brasileira. Fornecendo o território nacional como base de esforço de guerra ianque, o governo brasileiro facilitaria a transferência de tecnologia norte-americana ao nosso jovem parque industrial.

Portanto, interessado no estabelecimento de uma condição que capacitasse o nosso país como líder da América do Sul, projetando seu poder numa maior área de influência, Vargas se aproximou definitivamente da posição de Roosevelt acabando com o dilema ianque. A escolha foi pela via da negociação e da diplomacia evitando assim uma possível invasão estrangeira do território brasileiro fosse ela norte-americana ou alemã. Nesse contexto, a autorização para a ocupação militar americana em território nacional não foi concedida rapidamente e se desenvolveu gradativamente por meio de vários acordos assinados entre os EUA e o Brasil entre os anos de 1940 e 1942.

O torpedeamento de navios cargueiros brasileiros por submarinos alemães também ajudou a apressar a concretização desses acordos iniciando a cooperação entre a marinha brasileira e a americana no patrulhamento do Atlântico Sul. Entretanto, esse fato, que muitos pensam ter sido o principal fator de o Brasil ter entrado na guerra a de ter formado a FEB, foi apenas uma das peças de um complicado quebra-cabeça que continha uma série de outros fatos e fatores determinantes.

Em 1942, depois de reuniões e acordos com a presença de líderes ianques e brasileiros, ficou acertado que o governo brasileiro aceitaria a ocupação ianque em Natal em troca de uma generosa ajuda material para as nossas forças armadas; do suporte tecnológico e financeiro para a construção de uma usina siderúrgica e do fornecimento de matérias-primas brasileiras para o esforço de guerra Aliado. Com isso, Roosevelt finalmente concretiza seu projeto de proteção da América Latina colocando Natal como peça estratégica no plano de guerra Aliado de atacar o norte da África e dominar o Mediterrâneo para atrair os alemães para o Sul da Europa. Dessa forma, os estrategistas militares Aliados pretendiam forçar o “esvaziando” alemão do norte europeu para uma futura invasão na França (O Dia D).

Vargas, entretanto, ainda não havia completado seu projeto de transformar o Brasil em líder geopolítico. Na visão de seu governo não bastava o fortalecimento industrial e militar do país para manter a segurança interna e lançar o Brasil lançá-lo em uma posição política de destaque no mundo. Era preciso participar efetivamente da Guerra na Europa enviando um contingente militar para combater o Eixo no além mar. Em uma conversa demorada com Roosevelt, Vargas acertou com os EUA uma última cooperação: a formação de um corpo especial do exército brasileiro, nos moldes do moderno US Army, para ajudar no combate Aliado contra as forças alemãs. Nascia aí, como última peça a encaixar no ‘quebra-cabeça’ diplomático e militar entre o Brasil e os EUA, a saber, o projeto da FEB.

Na visão de Vargas e de seus líderes militares, enviar brasileiros para a 2ª Guerra Mundial poderia, além do equipamento e treinamento modernos, proporcionar ao Exército a experiência única dos combates reais e de tudo que cerca a organização, planejamento e efetivação de uma guerra de fato. Formando um núcleo de veteranos em uma guerra moderna, Vargas poderia com ele fornecer treinamento único, moderno e experimentado ao grosso do Exército no pós-guerra. Portanto, a visão de nosso presidente ia muito além do desejo apenas de obter uma posição de maior relevância internacional para o Brasil.

Fica claro, após a decisão de participar diretamente dos combates terrestres mundiais, que Vargas pensava um Brasil industrializado, moderno e forte militarmente para o domínio geopolítico da América do Sul. A FEB deveria coroar esse projeto a qualquer custo! A mobilização do Exército começou com o aumento do efetivo, com a sua modernização para defender adequadamente o país e a formação de um contingente especial para combater além mar. A FEB começa então a ser organizada com a convocação de centenas de milhares de jovens reservistas em quase todo território nacional. Alheios a praticamente todos esses fatos, lavradores, trabalhadores urbanos, comerciantes etc., vão à guerra, pois, afinal de contas, “torpedearam nossos navios no litoral brasileiro!”. Começava aí a história pessoal de nossos “heróis” de guerra que hoje jaz esquecida da maioria dos brasileiros. Entre eles, o Sr. Flávio Villaça Guimarães.

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