sábado, 24 de abril de 2010

Fragmentos do Positivismo


O filósofo e sua musa

Em 1844 Comte conheceu a mulher que iria transformar a sua vida e dar nova orientação ao seu pensamento. Chamava-se Clotilde de Vaux e era esposa de um homem que se encontrava preso por crime grave. Clotilde, no entanto, considerava seu casamento indissolúvel não deixando “ir muito longe” o relacionamento com o filósofo. Comte, apesar das restrições de Clotilde, se apaixonou por ela e a transformou na musa inspiradora de seus trabalhos dali por diante. Comte foi, sem dúvida, uma pessoa atormentada, angustiada e sofrida, sem jamais encontrar um apoio para seus sofrimentos pessoais, talvez por isso tenha se separado de Caroline sua ex-esposa. Porém, com 50 anos de idade, Comte encontrou em Clotilde alguém que lhe permitiu expressar seus sentimentos e necessidades emocionais. O filósofo ficou devedor, admirado e agradecido a jovem e, em longas conversas brilhantes com enorme erudição, estava sempre presente e implícito o desejo por Clotilde. Essa paixão levou a melhora do estado físico e mental de Comte, recém saído de uma grave crise psiquiátrica, porém levou a jovem moça se entristecer. Tomada por um enorme desejo pelo filósofo, desejo que não ousava confessar, viu seus sentimentos desmoronarem já que amava alguém que lhe era interdito. Clotilde faleceu um ano após ter conhecido Comte em uma severa crise depressiva e não é muito supor que a causa de sua morte tenha relação direta com a grande frustração amorosa com Comte. Clotilde foi transformada no gênio inspirador de uma nova religião apresentada em uma extensa obra da sociologia comteana intitulada de Sistema de Política Positiva ou Tratado Instituindo a Religião da Humanidade publicado em quatro volumes entre 1851 e 1854. Talvez o fato de Comte ter levado o rosto de Clotilde para ser o símbolo da "Humanidade" em sua na nova religião, possa ser encarado como forma de expiar-se por sua parcela de culpa na morte daquela jovem moça. Em todas as igrejas positivistas do mundo, no altar da Humanidade está representada a jovem Clotilde.

Comte e o projeto científico do século XIX

A euforia tecnológica propagada pela Revolução Industrial marcou o século XIX como um período de ascensão de diversas áreas do conhecimento. Os assuntos de ordem científica passaram a despertar o interesse de um grande público. Várias nações criaram instituições que buscavam o desenvolvimento de estudos em prol do progresso da ciência. Nesse mesmo período, o termo “cientista” foi cunhado. Nesse século são notórias as tentativas de sistematizar as diversas áreas do saber. Escolas politécnicas, museus, sociedades científicas e grandes gênios fizeram com que o “oitocentos” fosse contemplado pela euforia do saber técnico. A perspectiva de aplicação da ciência aos problemas da industria serviu de trampolim para estimular o financiamento público nessa área. Nesse contexto, é fundada em 1794 a primeira grande escola científica do mundo moderno, a École Polytechnique (instituição que formou Comte), para pôr os resultados da ciência ao serviço da França. Em diferentes graus e a diferentes velocidades outros governos começaram a financiar a ciência de uma forma mais direta através da criação de bolsas de estudo, fundação de instituições de investigação e conferindo honras e postos oficiais a eminentes cientistas. No final do século XIX o filósofo natural que prosseguia os seus estudos baseado em interesses particulares dá lugar ao cientista profissional com um carácter público.Nesse contexto As ciências exatas e naturais ganharam grande impulso na medida em que o desenvolvimento tecnológico vinculava-se com o desenvolvimento industrial. A Física, a Química fina e a Metalurgia foram as principais áreas de desenvolvimento científico. Influenciadas por essas mudanças, as ciências humanas também observaram o surgimento de novas áreas. Portanto, a obra de Comte deve ser entendida como fazendo parte dessa época de ouro da ciência moderna e de suas tentativas de sistematizar o conhecimento da humanidade através da idéia da uniformização de princípios metodológicos. Comte viveu os projetos, as realizações e os sonhos da ciência do século XIX.


A Literatura Gótica e a Religião da Humanidade

O século XIX foi realmente um período de grandes promessas. Porém, na Inglaterra Vitoriana a Revolução Industrial trouxe consigo o outro lado da moeda do desenvolvimento industrial: uma série de problemas sociais, dentre os quais uma super população que trabalhava em regime semi-escravo nas fábricas, onde velhos e crianças se transformavam em restos humanos. Depois do trabalho essas pessoas tinham a opção de se amontoarem nas vilas operárias, onde a marginalidade, a prostituição e a sífilis co-habitavam harmoniosamente. Bram Stoker (escritor irlandês) tenta analisar e solucionar os problemas sociais da época vitoriana criando um monstro – o conde Drácula, que se alimenta do sangue humano - que e se dirige para a Inglaterra onde existe uma super população alienada e sub-humana, pronta para ser devorada. O vampiro, na verdade, será uma espécie de peste necessária, a outra face dessa humanidade monstruosa.
A ciência no século XIX, quanto à questão da medicina e da física, “progride” a olhos vistos. A sangria do período das trevas já é considerada uma “heresia”. O corpo humano deixa de ser a última fronteira para exploração científica. Para as doenças são descobertas as curas e a longevidade humana deixa de ser desejo para se tornar um fato, o homem brinca de ser Deus. Eis que então Mary Shelley (escritora britânica) vem com seu monstro Frankenstein, pedaços humanos que tem vida através de uma mão humana que desafia o criador. Dr Victor Frankenstein é punido com o seu próprio crime. O desejo de se tornar o próprio Deus criador, se rebelando contra o mesmo, ao criar sua própria criatura, faz com que a sua condição de “filho rebelde” seja punido com a perda da família, do amor e, por fim, da sanidade. Essas obras da literatura gótica resumem as angústias do homem do século XIX, insatisfeito com o seu momento na história, expressando através da arte os seus medos e suas propostas de solução por meio do “fantástico”.
Auguste Comte em seu catecismo positivista propõe livrar (exorcizar) a sociedade do século XIX desses monstros, assombrações e do “fantástico”, chamados por ele de fetichismo teológico, propondo a consolidação do racionalismo e do cientificismo como solução de todos os conflitos da alma, da mente e da sociedade. Com um Deus, de certa forma ausente, as inquietudes humanas são analisadas pela literatura romântica num universo paralelo produzido pela mente, onde o “fantástico”utiliza-se do simbólico para se contrapor ao racional. Na Religião da Humanidade comteana, os santos cristãos e seus milagres são substituídos pelos cientistas e suas obras havendo o expurgo do fantástico. No catecismo positivista, a Humanidade está no lugar do Deus que agora é apenas uma entidade que faz parte do passado do progresso do Espírito Humano. Comte pode ser considerado, assim, um dos primeiros contrapontos a cultura gótica marcada por um descrédito geral em Deus, na religião e na Razão, típicos do século XIX.

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