sexta-feira, 7 de maio de 2010


Max Weber e o estudo dos sentidos da sociedade

Max Weber nasceu na cidade de Erfurt, na Alemanha, em 21 de abril de 1864. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou o jovem Weber no sentido do estudo das humanidades. O círculo de pessoas que freqüentavam a casa dos Weber era feito de professores de História, escritores e artistas criando uma atmosfera intelectual e também prosaico que muito chamou a atenção do jovem Max.

Outra experiência familiar que marcou a vida de Weber foi a religiosidade de sua família. Helene, mãe de Weber, era devota protestante e, nas questões religiosas, seu espírito era decidido. Buscava Deus pessoalmente e não por intermédio da religião instituída ou da teologia literária, mas sim por meio de uma conduta pessoal de silenciosa e decisiva fé. Helene defendia o repúdio de emoções e desejos, combinado com o individualismo intolerante e a busca do dever cristão na rotina cotidiana. De certa forma, essa prática trazia para a casa dos Weber na Alemanha o velho tema desenvolvido no século XVIII na Inglaterra e na América: o calvinismo clássico. Esse tema consistia na idéia de que a santificação do indivíduo é um processo exemplificado na zelosa e obediente colaboração na obra de Deus. Helene, agindo domesticamente dessa forma, afetou poderosamente o pensamento de seu filho. Um dos trabalhos mais importantes da futura sociologia de Weber foi exatamente a análise das relações entre a religião e a economia e, em especial, a análise da Ética Protestante com o desenvolvimento do capitalismo na América.

O universo da política também fez parte da vida de Weber ainda dentro de sua casa. Weber pai, figura autocrata e envolvido com a política prussiana, na época uma das potências européias, trazia para casa as fofocas, notícias e conhecimentos sobre o que se passava nos corredores do poder, sejam nos parlamentos, gabinetes governamentais, sedes de partidos etc. Nos relatos do pai sempre brotava ensinamentos para o jovem Weber através de princípios morais da ação eficiente, de uma "ética do êxito", própria da política desde os ensinamentos de Maquiavel contrariando a ética cristã dos de méritos intrínsecos. Anos depois desses ensinamentos paternos, Weber publicaria belas análises sobre as formas de poder, sobre as modalidades de ações no interior da sociedade e sobre as diferenças entre a Ciência e a Política.

Carregando essa rica e complexa “bagagem” doméstica, Weber parte para a educação escolar básica direcionando-se para a História, a Literatura Clássica e as Línguas Estrangeiras, complementando sua formação em ótimos colégios. Em 1882, começou os estudos superiores em Heidelberg; continuando-os em Göttingen e Berlim, em cujas universidades dedicou-se simultaneamente à Economia, novamente à História, à Filosofia e ao Direito.

A formação acadêmica de Weber se deu em um contexto muito especial no qual as disputas metodológicas nas ciências sociais começavam a surgir na Europa e o nosso jovem professor participou decisivamente desses conflitos teóricos em seus trabalhos como economista na Universidade de Freiburg em 1893, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Ciências Sociais (Archiv tür Sozialwissenschatt), publicação extremamente importante no desenvolvimento dos estudos sociológicos na Alemanha. Nessa revista acadêmica pode sistematizar suas reflexões sobre a metodologia, o objeto de estudo e os grandes temas abordados em sua proposta de sociologia, publicando simultaneamente inúmeros trabalhos que se tornariam pilares da ciência social moderna.

A Sociologia Compreensiva

Na época em que Weber publicou seus primeiro trabalhos sociológicos, o método das ciências naturais triunfava como única forma de conhecimento que levaria a humanidade ao progresso material e moral, concretizado nas tecnologias industriais que proporcionavam transformações e a melhora da vida material do homem em inúmeros aspectos. Portanto, partindo dessa fecundidade indiscutível da metodologia das ciências naturais, vários pensadores sociais procuravam conhecer os fatos humanos, abordando-os segundo as coordenadas das ciências exatas e biológicas. Entre esses pensadores podemos citar Durkheim (apesar da originalidade de sua sociologia) ainda seguidor de preceitos teóricos de Comte. De maneira corajosa, Weber se contrapôs a essa metodologia debatendo os fundamentos da mesma.

Segundo Weber, a sociedade e sua história deveriam ser estudadas de forma totalmente diversa da maneira como os cientistas investigam a natureza. Acreditavam que a sociedade, ao contrário da natureza física e biológica, fazia parte de uma complexa trama de relações própria do modo de ser da espécie humana, de suas categorias sociais e de seus interesses. Por causa desses aspectos ímpares, Weber, ao contrário de Durkheim e Comte, defendeu a peculiaridade do fato humano na elaboração dos estudos sociais e a conseqüente necessidade de uma metodologia própria para o estudo dessa realidade.

Weber argumentou que o conhecimento dos fenômenos naturais tratava-se do estudo de uma realidade externa ao próprio homem, isto é, da dinâmica própria do mundo físico, químico e biológico nos quais a experiência humana aparentemente não tinha como interferir ou transformar. Em contraposição a isso, as ciências sociais teriam como objetivo conhecer a particularidade da experiência humana fundamentalmente social e diversa da dinâmica dos fatos naturais.

Nesse contexto, ao contrário de Durkheim, Weber não pensa que a ordem social tenha que se opor e se distinguir dos indivíduos como uma realidade externa a eles, mas que as normas sociais se concretizam exatamente quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma da motivação de cada pessoa. De acordo com essa distinção entre experiência externa ao homem e experiência humana, a sociologia weberiana distinguiu uma série de contrastes metodológicos entre as ciências naturais e sociais, tipos completamente distintos de conhecimento. Sintetizando, as ciências naturais partiriam da observação sensível, e seriam essencialmente experimentais, procurando obter dados mensuráveis e regularidades estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter físico, procurando explicar as relações causais entre os fenômenos. Por outro lado, de forma inteiramente diversa, as ciências humanas e sociais teriam como objetivo a compreensão dos processos próprios da experiência humana que seriam sociais, mutáveis, exigindo do pesquisador uma interpretação que extraísse deles o seu sentido interno não inteiramente mensuráveis. Ao aplicar esse inovador método da compreensão aos fatos humanos sociais, Max Weber elabora os fundamentos de uma nova sociologia, chamada de compreensiva ou interpretativa.

O estudo da Ação Social

Weber vê como objetivo primordial da sua sociologia compreensiva a captação da relação de sentido da ação humana com caráter social, ou seja, "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito ou sujeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento". O método compreensivo, defendido por Weber, consistiria em entender o sentido que as ações de um indivíduo teriam e não apenas os seus aspectos exteriores Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um alimento, essa ação como um simples fato, em si mesma, seria irrelevante para o sociólogo. Por outro lado, quando um pesquisador sabe que a primeira pessoa deu o alimento para a outra como forma de troca econômica (um pedaço de carne por uma nota de dinheiro) estará diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. Weber quer nos dizer que em sua sociologia a ação em questão não se esgotaria em si mesmo, apontando para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas no ato atribuem ao dinheiro a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, o que seria mais importante em termos da análise da experiência humana, essa função seria existente e reconhecida por uma comunidade pessoas. Na sociologia compreensiva, conhecemos um fenômeno social quando o compreendemos como fato carregado de sentido que aponta para outros fatos significativos sempre em termos sociais. Esse sentido (grande objetivo da metodologia weberiana), dá à ação concreta o seu caráter, quer seja ele político, econômico ou religioso. O objetivo do sociólogo é compreender este processo, desvendando os nexos causais que dão sentido à ação social em determinado contexto social.

A proposta metodológica compreensiva afirma não ser possível propriamente explicar as ações sociais como resultados de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas sim compreendê-lo como fatos carregados de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e pessoas e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude. Nessa linha de raciocínio que remonta a famosa distinção entre o conceito explicação (Erklären) e o conceito compreensão (Verstehen) feita pelo filósofo e historiador Wilhelm Dilthey ( freqüentador das casa dos Weber), a sociologia compreensiva estuda os sentidos sociais mais presentes na modernidade e os classifica em três tipos chamados de “puros”.

Os tipos puros de ação social

Relembrando o conceito weberiano, por ação social entende-se, um comportamento humano sempre em que o agente ou agentes o relacionem a um sentido social ou motivação social. Uma piscadela de olhos, quando é um gesto que sinaliza alguma coisa, é um comportamento que tem um sentido para quem o praticou e nesse caso é uma genuína ação, sendo diferente de um tique nervoso que faz alguém piscar os olhos automaticamente, sem que nenhum sentido seja atribuído a esse ato.

Porém, o caráter social do ato da piscadela se manifesta somente quando pisco um olho para dizer a alguém que estou tramando alguma coisa contra um terceiro. Nesse caso, o sentido de minha ação (piscar o olho) tem a ver com o fato de que quero me comunicar com a outra pessoa. É sempre bom lembrar que a ação social em Weber se define pela participação de outros na elaboração de seu sentido, não importando o tipo dessa participação. A ação social pode ser “boa” ou “má”. Praticar violência em alguém é uma ação social, pois o sentido do ato violento tem a ver com a presença de um outro e com alguma coisa que esse outro fez ou deixou de fazer. Dentro dessas coordenadas, Weber apresenta seus três tipos de ação social da seguinte forma.
Um dos tipos weberianos é o da “ação racional com respeito a fins”. De acordo com este tipo, o sentido racional da ação se encontraria na escolha dos meios mais adequados para a realização de um fim pré-determinado pelo agente. O único critério de seleção dos meios seria a capacidade deles realizarem o objetivo estabelecido. Qualquer meio eficiente seria válido tão somente por sua eficiência, independentemente de avaliações morais ou éticas. É o tipo de ação mais freqüente na sociedade moderna. É a ação, por exemplo, do empresário capitalista, é a ação do político, é a ação do crime organizado.

O outro tipo é o da “ação racional com respeito a valores”. A diferença em relação ao tipo descrito acima seria o fato do fim ser um valor ou princípio, podendo ter conteúdo ético, moral, religioso, político ou estético. O que daria sentido à ação seria a sua racionalidade quanto aos valores que a guiaram. A ação seria orientada pela fidelidade aos valores que inspiram a conduta. Desde que fiel aos valores, o comportamento seria válido por si mesmo. Segundo Weber, em alguns casos, a “ação racional com respeito a valores” poderia tender para a irracionalidade tanto mais quanto maior for a adesão aos valores absolutos. É a ação do crente que prefere pregar para as paredes a fazer alguma adaptação de suas idéias de acordo com o gosto do público. É a ação do artista que prefere não vender nenhuma obra a fazer concessões ao mercado. É a ação do político que prefere perder as eleições a renegar a sua ideologia.

Por fim um terceiro tipo é a "ação afetiva ou emocional”. Essa ação não seria racional, pois é a ação inspirada por emoções imediatas tais como vingança, desespero, orgulho, medo ou entusiasmo. Na ação afetiva o agente segue um impulso e não elabora as conseqüências da sua ação. Seria a ação de quem larga tudo por amor, a ação de quem mata a mulher quando descobre que foi traído. A “ação afetiva” se diferenciaria da “racional com respeito a valores” porque nesta última o agente elabora racionalmente o sentido de sua ação de modo que sua conduta seja fiel aos valores aos quais adere. Como foi dito, na ação afetiva não existe elaboração racional das conseqüências.


Os tipos puros de dominação

A aplicação da metodologia compreensiva na análise dos fenômenos sociais, através dos trabalhos de Weber, não se limitou ao estudo das ações sociais e de sua tipologia no seio do mundo moderno. Seguindo os passos do pai, Weber se envolveu com as questões políticas logo após o seu ingresso na docência universitária e como assistente do governo local. No universo mais restrito da política, publicou inúmeros trabalhos de investigação empírica sobre assuntos econômicos e políticos específicos. Entre os primeiros, destacam-se o texto “A Situação dos Trabalhadores Agrícolas no Elba” e “A Psicofisiologia do Trabalho Industrial”. Publicou também análises críticas a respeito da seleção burocrática dos líderes políticos na Alemanha daquela época e da conseqüente despolitização do governo levada a cabo pelos burocratas. Entretanto, apesar de tais trabalhos não serem do conhecimento do grande público, certamente foram o ponto de partida e a base para a elaboração teoria política geral weberiana, da qual brotaram importantes os conceitos e categorias que se tornaram clássicos nas ciências sociais.

Definidos os conceitos básicos de ação social, Weber analisa a natureza dos elementos essenciais que constituem o Estado, chegando ao conceito de autoridade e de legitimidade. Para que houvesse um Estado, seria necessário que um conjunto de pessoas (uma população) obedecesse à autoridade alegada pelos detentores do poder em uma sociedade. Por outro lado, para que os dominados obedecessem seria necessário que os detentores do poder possuíssem uma autoridade reconhecida como legítima. Weber define então a dominação como oportunidade de encontrar uma pessoa (ou população) que esteja pronta a obedecer, e essa dominação se faria necessária para se constituir o Estado, mantendo em ordem a sociedade. Partindo da afirmação de que onde há um Estado, sociedade baseada em regras e hierarquias, há os dominados e os dominantes. Dentro deste modo de interpretar, isto é, de que “a autoridade é a probabilidade de haver obediência dentro de um grupo”, ou o poder de dar ordens com conteúdo determinado, Weber analisa os diversos motivos que levam ao mando e à submissão entre as pessoas em uma sociedade. No cerne das ações sociais no interior de um Estado, moldadas em constelações de interesses, Weber descreve três tipos de dominação/obediência: a Dominação Legal ou Burocrática, a Dominação Tradicional e a Dominação Carismática.

Na dominação racional- legal, a obediência se presta não à pessoa que manda, em virtude de direito próprio a mesma, mas a um estatuto (conjunto de regras), que se conhece competente para designar a quem e em que extensão se há de obedecer. Nessa forma de dominação, qualquer direito e dever pode ser posto ou retirado através de um estatuto sancionado corretamente e conhecido por todos. Weber classifica este tipo de dominação como sendo estável, uma vez que é baseada em normas estabelecidas e/ou conhecidas e aceitas por todos. Ou seja, o poder de autoridade é legalmente assegurado, isto é, institucionalizado. Sintetizando, a dominação racional-legal tem como fundamento a obediência em virtude da crença na validade de um estatuto legal e a autoridade mantém-se, assim, segundo uma ordem impessoal e universalista, tendo os seus limites determinados pelas esferas de competência previstas em um conjunto de regras. Quando a autoridade racional-legal envolve um corpo administrativo organizado, toma a forma de estrutura burocrática, o que vale dizer que os princípios fundamentais da burocracia, como a hierarquia funcional, a administração baseada em documentos e Leis, as atribuições oficializadas, entre outras, são as ferramentas típicas dessa forma de dominação.

Na dominação tradicional, na qual a autoridade é, simplesmente, suportada pela existência de uma fidelidade/obediência tradicional, o governante é o patriarca ou senhor, e os dominados são os súditos ou servidores. O patriarcalismo é o a forma síntese desta dominação, na qual a obediência se da por respeito à pessoa que manda, em virtude de uma tradição lhe atribui dignidade pessoal e sagrada dentro do grupo social.. Todo o comando se prende intrinsecamente a normas tradicionais (não legais, isto é baseadas em um conjunto de regras e Leis), isto é, à moralidade tradicionalmente válida no interior de uma sociedade. Nesse contexto, o exercício da autoridade nos Estados desse tipo é definido por um sistema de status (não em uma burocracia), cujos poderes são determinados por prescrições concretas da ordem de um sistema hierárquico estabelecido tradicionalmente. A dominação/obediência tradicional também é classificada por Weber como uma dominação estável, devido à solidez e estabilidade do meio social na qual ela é exercida, que se acha sob a dependência direta e imediata da tradição baseada na moralidade do coletivo.

Na dominação carismática, na qual a autoridade é suportada graças a uma devoção afetiva por parte dos dominados, a obediência se baseia em “crenças” transmitidas por profetas, no respeito que pessoalmente alcançam os heróis e os demagogos, durante as guerras e revoluções, convertendo a fé e o reconhecimento social sobre os quais se sustentam, em uma fonte interminável de ordens e deveres que lhes são aceitos pelos dominados. Segundo Weber,a dominação carismática poderia até se opor às bases de legitimidade de uma ordem social estabelecida e institucionalizada., pois o líder carismático, em certo sentido, seria sempre revolucionário em potencial, na medida em que se colocaria em oposição consciente a algum aspecto estabelecido pela sociedade em que atua. A obediência, nesse sentido, é dependente da crença dos dominados nas qualidades pessoais e excepcionais do líder, podendo ser qualidades dons sobrenaturais, a coragem, a inteligência, faculdades mágicas, heroísmo ou poder de oratória. Weber ressalta que a obediência ao líder é perpetuada enquanto suas qualidades excepcionais lhe são conferidas. Nesse caso, o líder tem que se fazer acreditar por meio de milagres, êxitos e prosperidade em suas ações de governo. Se o êxito lhe falta, seu domínio oscila. Por fim, não existiriam regras na administração, é a grande marca deste tipo de dominação seria criação momentânea e o desaparecimento repentino.

A ética protestante e o espírito do capitalismo

As soluções encontradas por Weber para os problemas metodológicos das ciências sociais do começo do século XX fizeram-no apresentar novas abordagens sobre vários problemas sociais e históricos, e contribuir de forma extremamente importante para o avanço da sociologia. Nesse contexto, Weber inovou em seus estudos sobre a religião, partindo das análises compreensivas sobre as relações entre as idéias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e organização econômica correspondentes, por outro.

Na Alemanha da época de Weber, essa questão das relações do universo econômico com os outros universos sociais já havia sido debatida e também produzido importantes trabalhos sociológicos. Dentre esses trabalhos, que eram utilizados na época como instrumento de luta econômica e política dos partidos operários, destaca-se os escritos econômicos e filosóficos de Marx. A pergunta que os sociólogos alemães se faziam era se o teoria formulada por Marx era ou não o verdadeiro, ao transformar o fator econômico no elemento determinante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a religião. Após a publicação de inúmeros trabalhos com o objetivo de resolver esse problema, substituindo-se o fator econômico como dominante por outros fatores, tais como raça, clima, topografia, idéias filosóficas, poder político, Weber apresenta a sua contribuição que será considerada a única à altura das concepções marxistas.

Weber iniciou seus seu estudo sobre o capitalismo comparando exaustivamente as várias sociedades do mundo ocidental (berço do capitalismo) e também as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo tinha aparecido. Depois desse longo exercício comparativo, Weber apresentou a sua tese de que a explicação para o surgimento e o desenvolvimento do capitalismo deveria ser encontrada na íntima vinculação desse tipo de fazer econômico com o protestantismo. Em seu famoso livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Weber afirma: “Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes”. Segundo as análises históricas de Weber, os protestantes sempre teriam demonstrado uma tendência específica para o racionalismo econômico e a razão desse fato deveria ser buscada em elementos internos e permanentes de suas crenças religiosas.

Dentro da sociologia weberiana, o capitalismo seria uma ação social com sentido e conteúdo expressa no clássico utilitarismo ético presente na mentalidade dos colonos americanos do século XVIII. Nessa mentalidade, o trabalho e o aumento do capital, isto é, o acúmulo de riqueza como fruto dessa atividade, seriam considerados como um fim em si mesmos, como sobretudo um dever, uma “vocação”. A marca interessante desse utilitarismo estaria na ética da obtenção de mais e mais riqueza (como resultado do trabalho) combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da mesma e da vida. Para Weber, essas seriam as máximas da vida econômica capitalista. A questão colocada por Weber é a seguinte: que fatores teriam levado a transformar em máximas uma forma de agir que, antes do surgimento do capitalismo, era apenas tolerada?

Weber encontrou no protestantismo de origem calvinista idéias éticas fundamentais que o relacionavam com o utilitarismo ético capitalista. A ética calvinista (também chamado por Weber por “Etos Calvinista”, isto é, modo de ser do religioso) afirma que “o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida”. Outra idéia no mesmo sentido estaria contida nas máximas dos puritanos: “a vida profissional do homem é que lhe dá uma prova de seu estado de graça para sua consciência, que se expressa no zelo e no método, fazendo com que ele consiga cumprir sua vocação.” Weber vê aí uma íntima relação entre as duas éticas em questão: o fato de encarar o trabalho como uma atividade em sim mesma e como meta para a vida correta, como uma genuína vocação humana. Outro aspecto da ética protestante intimamente ligado ao espírito do capitalismo é o ascetismo religioso que tira do âmbito do pecado a atividade de aquisição de bens, agora desejada por Deus como forma de prova da eleição do trabalho como vocação da vida do cristão. Entretanto, o gozo imediato e irrefletido dos bens materiais (fruto do trabalho), que caracterizaria para o protestante um desvio de sua conduta ascética é enfaticamente proibido. Para evitar transformar a sua vida em uma busca pelo prazer material e pelo gozo dos prazeres da carne, o protestante trabalha e poupa os frutos dessa atividade. O protestante se via obrigado eticamente a poupar para mostrar para Deus sua fé e sua obediência para com Ele. Segundo Weber, essa poupança de caráter ético-religioso teria íntima relação com o desenvolvimento de uma forma de vida na qual a acumulação de bens seria um objetivo em si mesmo e que teria influenciado muito o surgimento da atividade econômica capitalista. Para Weber, portanto, a ética protestante, ao considerar o trabalho como vocação constante e sistemática do homem e a poupança como o mais alto instrumento de ascese e o mais seguro meio de preservação da redenção da fé do cristão, deve ter sido a mais poderosa alavanca da expressão concepção de vida fundamentalmente econômica constituída pelo espírito do capitalismo.

Por fim, é necessário salientar que Weber, nunca considerou o espírito do capitalismo como pura conseqüência da Reforma protestante. O sentido que norteia sua análise apurar em que medida influências religiosas participaram da moldagem qualitativa do espírito do capitalismo. Percorrendo o caminho inverso, Weber propõe também a compreensão mais aprofundada do sentido do protestantismo, mediante o estudo dos aspectos fundamentais do sistema econômico capitalista. Tendo em vista a grande confusão existente entre os teóricos alemães sobre o estudo das influências entre as bases materiais, as formas de organização social e política e os conteúdos espirituais da Reforma, Weber salientou que essas influências só poderiam ser confirmadas por meio de exaustivas investigações dos pontos em que realmente teriam ocorrido correlações entre o movimento religioso, o desenvolvimento de uma ética vocacional e um modo particular de vida econômica. Talvez, como uma forma de responder as questões sociológicas de seu tempo e de responder questões de sua juventude em um lar protestante, Weber afirma que só poderíamos avaliar em que medida os fenômenos culturais e econômicos contemporâneos se originam historicamente em motivos religiosos, e em que medida podem ser relacionados com eles, através de exaustiva investigação compreensiva.

2 comentários:

  1. "[...] Robert Kincaid: This kind of certainty comes once in a lifetime.[...]"

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