domingo, 6 de novembro de 2011

Kant, o Dever, a bondade e a liberdade

“Age de modo que consideres a humanidade tanto na tua pessoa quanto na de qualquer outro, e sempre como objetivo, nunca como simples meio.”
Immanuel Kant

A moral kantiana baseia-se num princípio formalista: o que interessa na moralidade de um ato é o respeito à própria lei moral, e não os interesses, fins ou conseqüências do próprio ato. Uma boa vontade, guiada pela razão age em função de um imperativo categórico (dever ).
Kant procurou demonstrar que era possível formular para a moral leis universais como as do conhecimento científico. Estas leis tinham que ser formuladas à priori, isto é, sem levarem em conta os atos efetivamente praticados, quer fossem bons ou maus. O legislador supremo da moralidade é a razão humana.
O SER HUMANO, A LIBERDADE E O DEVER:
O ser humano é um ser marcado por uma dualidade: é, por um lado, um ser sensível, isto é, um ser da Natureza, condicionado pelas suas disposições naturais, que o levam à procura do prazer e à fuga da dor. Este aspecto primário define o egoísmo que preside à vertente animal do ser humano. Por outro lado, é um ser racional, isto é, alguém capaz de se regular por leis que impõe a si mesmo. Tais leis revelam a sua autonomia, tendo a sua sede na razão. São leis morais que o levam a praticar o bem, em detrimento dos seus caprichos e interesses individuais. Assim, o ser humano é um ser dividido entre a sua inclinação para o prazer e a necessidade de cumprir o dever. Tanto se pode deixar arrastar pelos seus instintos, como determinar-se pela razão.
Ao contrário do animal, que está determinado a agir desta ou daquela maneira, o ser humano possui uma margem de liberdade, podendo agir de acordo com princípios que impõe a si mesmo. Só podemos, portanto, falar em moralidade se considerarmos que o ser humano é um ser livre. É essa liberdade que lhe confere dignidade.

A BOA VONTADE / A BOA INTENÇÃO: A MORALIDADE
A moralidade é concebida independentemente da utilidade ou das conseqüências que possam advir das ações. Ter saciado a fome de trinta pessoas ou apenas de uma é irrelevante para aferir a moralidade destes atos. Tudo depende da intenção com que as ações em causa foram realizadas. Ora, a intenção é o que caracteriza a vontade. A uma boa vontade corresponde uma boa intenção. A intenção moral só é conhecida pela consciência do indivíduo.
O DEVER E A BOA VONTADE
A vontade é boa quando age por dever. O conceito de dever contém em si o de boa vontade, como diz Kant. O dever será uma necessidade de agir por respeito à lei que a razão dá a si mesma. Mas, antes de nos referirmos a essa lei, é preciso ter em conta o seguinte:
Uma ação pode ser conforme ao dever e, no entanto, não ser moralmente boa. A pessoa pode agir de acordo com o dever, mas movida por interesses egoístas. É o caso da atitude daquele comerciante que é honesto para com os seus clientes apenas para ter mais lucros. Ele não engana, não rouba, não viola as leis. Exteriormente, a sua ação está de acordo com o que deve ser feito. Mas, ao fazer tudo isso a fim de promover o seu próprio negócio, este comerciante não agiu moralmente bem. A sua ação foi apenas um meio para atingir um fim pessoal.
Segundo Kant, não agiu por dever e, portanto não agiu moralmente bem. O valor moral de uma ação reside na intenção. Daí que seja importante distinguir moralidade de legalidade. Se a moralidade caracteriza as ações realizadas por dever, a legalidade caracteriza as ações que estão em conformidade com o dever, mas que podem muito bem ter sido realizadas com fins egoístas.
Segundo Kant, é, portanto, o sentimento do dever, o respeito pela lei moral, que nos deve determinar a agir.
Agir por dever exige um conhecimento das regras, das normas, a que se tem de obedecer. Que regras são essas? Não se trata de saber se devo mentir ou não devo; trata-se de encontrar o que está na base da minha opção pela mentira ou pela honestidade.

A MÁXIMA E A LEI ÉTICA:
É por isso que Kant distingue máximas de leis éticas. As máximas são os princípios subjetivos da ação, os princípios concretos segundo os quais agimos. São consideradas pelo sujeito como válidos apenas para a sua vontade. As leis éticas, por sua vez, são objetivas, isto é, são consideradas como válidas para a vontade de todo o ser racional, enunciando a forma como se deve agir.
Neste sentido, podemos afirmar que só a máxima que se possa tornar uma lei universal é que possui valor ético, isto é, se a máxima se puder universalizar, se puder ser válida para todos, ela converte-se em lei moral. Escreve Kant: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal."
*devemos agir pela honestidade (como um dever da razão, como algo em que acreditamos) e não em conformidade com a honestidade (isto é, estimulado por outro valor não moral, algum interesse) esperando alguma conseqüência com o ato).

A LIBERDADE:
Cada indivíduo, enquanto ser racional é autor das leis que impõe a si mesmo. A lei ética, universalmente válida, tem origem na razão. Sendo assim, cada indivíduo é legislador e responsável por aquilo que faz. A moralidade pressupõe, portanto, a autonomia da vontade. Numa palavra, pressupõe a liberdade.
E em que medida é que o indivíduo é autônomo? Autonomia em face de quê? É autônomo na medida em que é capaz de agir independentemente das leis da natureza. De fato, na natureza tudo se encontra determinado. As leis físicas expressam esse determinismo. Em contrapartida, no reino da ética existe a liberdade. O ser humano é livre sempre que se submete às leis da sua própria razão. Nesse caso, não somos livres quando fazemos aquilo que nos apetece, mas sim quando cumprimos o nosso dever, ou seja, quando nos submetemos à lei moral que existe em nós.

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