domingo, 7 de novembro de 2010

A Física e a Educação


Um dos sonhos mais almejados pelo “ocidente” foi o da elaboração do conhecimento científico. O saber verdadeiro, infalível, útil e capaz de prever acontecimentos para melhor adequar a vida das pessoas com elas mesmas e com o mundo, foi o objetivo de vários pensadores durante vários anos. A teoria que orientaria a prática sem descontinuidade, produtora de tecnologias, enfim a Ciência. Através de procedimentos historicamente consagrados, denominados de racionais e empíricos, a construção da Ciência conquistou novas áreas de trabalho e, há séculos, desenvolve e consolida as várias disciplinas escolares desde a Física.

Produzindo saberes sobre o mundo, vivido e construído por uma sociedade oriunda dos gregos, do Renascimento, das revoluções sociais e do capitalismo industrial, a atitude científica chegou a debruçar seus olhares sobre a política e o comportamento humano. A conquista dessa fase da Ciência foi a principal luta dos cientistas durante o século XIX. Aproximar a Física dos estudos sociais e psicológicos significava introduzir a atitude científica nos debates sobre a ética, a moral, o crime e o governo, áreas ainda dominadas por saberes não científicos, isto é, os filosóficos (argumentativos) e os religiosos (as crenças no sobrenatural e a fé).
Coube a Auguste Comte o pioneirismo na elaboração da primeira tentativa de aproximação entre a Física e a Política. Em uma obra intelectual ampla e complexa, Comte propôs a fundação da Ciência Social, chamada por ele de Física Social. Nessa nova disciplina científica, o ocidente finalmente completaria seu sistema científico do conhecimento humano produzindo pesquisas ‘úteis e verdadeiras’, como as feitas pelos Físicos, sobre tudo e todos.

Para tanto, Comte afirmou ser necessário desvincular as análises sociais do universo da economia, tradicional campo dos debates políticos até aquele momento, para direcioná-las à sociedade na busca de seus mais fundamentais fatos e de suas mais gerais leis de funcionamento. Era preciso adotar a postura do Físico, que analisa o movimento mais regular de um fenômeno para extrair daí o conhecimento de sua dinâmica fundamental, abandonando a postura do crítico, do anarquista, do belicoso, do aventureiro, do poeta, do sonhador etc.

Feito isso, o método da Física Social seria idêntico, em suas características, ao método da Física. A Sociologia se tornaria uma Ciência por renunciar aos pontos de vista transcendentais e agressivos da argumentação e da fé.

Comte, elaborando a Física Social, deu uma grande contribuição não só ao campo da Ciência Social, mas também às reflexões epistemológicas, isto é, àquelas voltadas a caracterização do conhecimento científico e daquilo que chamamos de ‘verdade’, ou seja, à Teoria do Conhecimento. Na busca pela elucidação e apresentação didáticas do método fundador da Sociologia, Comte fez uma ampla e importante análise sobre os pilares do conhecimento científico. Essas análises comteanas, esquecidas por muitos professores, servem como belas aulas de epistemologia até nossos dias. Arrisco a dizer que depois de Kant, Comte foi o melhor analista do conhecimento científico e de suas possibilidades e alcances. Desculpem-me os nobres colegas professores de Sociologia e de Filosofia do Ensino Médio que discordam do que digo.

Na definição do método científico e de seu alcance teórico e prático, tal como a fez Comte, destaca-se a “verdadeira observação”. Considerada a única base possível de conhecimentos verdadeiramente acessíveis, a observação se baseia em provas, pois, raciocinar conforme princípios confusos que não comportam qualquer prova suficiente só nos levaria a debates sem saída. Vamos dar um exemplo desse princípio metodológico pensando a Educação.

Muita gente argumenta que a Educação tem como objetivo desenvolver, em cada indivíduo, toda a perfeição de que ele seja capaz. Outros afirmam que ela teria como função fazer do indivíduo instrumento de sua felicidade. Dois bons e populares argumentos baseados em crenças que nutrimos a respeito daquilo que imaginamos ser a Educação, enfim, artigos de fé. Porém, a atitude científica baseada na observação e nas provas chega a outras conclusões a respeito da Educação. Seria de fácil constatação pelo cientista observador dos fatos e das provas da história que a Educação é uma instituição que socializa maneiras de pensar, de sentir e de agir da sociedade na qual ela existe e que funciona, cumprindo o papel de formar nos indivíduos os cidadãos conforme as determinações sociais. Ao lado dos princípios confusos de felicidade ou de perfeição, a observação científica traz conhecimentos verdadeiramente acessíveis sobre as instituições educacionais e seus papéis em cada sociedade e época da história.

É preciso ver, é preciso ver para saber, portanto, toda a proposição teórica que não seja redutível ao simples enunciado de um fato não pode oferecer nenhum sentido real e inteligível. Nesse caso não podemos imaginar, não podemos argumentar para conhecer. Precisamos ver para crer! Precisamos provar!

Porém, o que podemos ver? O que é passível de observação e, portanto, passível de conhecimento? Comte nos explica que a Física já demonstrou o que poderíamos ver. Para tanto, isto é, para ver, precisaríamos substituir na produção do conhecimento social a inacessível determinação das causas dos fenômenos pelas pesquisas de suas relações constantes e observadas. Quer se trate dos menores ou dos maiores efeitos do choque ou da gravidade, do pensamento ou da moralidade, da ética ou da política, deles só podemos conhecer as diversas ligações mútuas próprias à sua realização sem nunca penetrar no mistério de sua produção. Voltemos a Educação para demonstrar essa postura.

Por que existe a Educação? Qual é a sua causa primeira e final? Por que ela existe? Argumentam alguns que ela existe, pois precisamos fazer algo de nós mesmos e precisamos fazer algo pelo mundo, ou seja, há uma missão transformadora na natureza humana com fundamento religioso ou existencial. Porém, considerando a Educação em várias épocas e em vários países, isto é, a Educação como um fenômeno observável e constatável, ela é uma relação necessária entre gerações adultas com gerações inaptas a vida social, é a transformação de crianças em seres sociais completos, ativos, produtivos, solidários e passíveis de integração social em uma dada sociedade. É uma relação de autoridade sem a qual as sociedades não nasceriam, não se desenvolveriam e não se manteriam vivas. Resumindo, é isso que podemos realmente conhecer a respeito da Educação e de sua existência, bem como sobre suas causas e destinos, pois ela nunca apareceu de forma diversa.

Fazendo assim, Comte defende o que ele chamou de atitude positiva, que é a defesa do conhecimento da verdade como o conhecimento do ‘real observável’ e não do quimérico, da atividade útil e não dos argumentos e crenças que levam o homem a ociosidade dos debates, da certeza ao invés da indecisão, do preciso substituindo o vago, da ação técnica e tecnológica do governante e não das bravatas ou anarquias dos políticos, filósofos ou mesmo religiosos.

Porém, será que pensar, conhecer, saber a verdade está circunscrito a apenas a atividade do cientista? Para Comte, o Físico defende a função do pensamento como a de um colecionador, isto é, de colecionar, compreender e ordenar os fatos, sem nada querer saber sobre aquilo que possa vir antes dos fatos. Será que a há realidade além ou aquém dos fatos, isto é, naquilo que não é passível de observação ou verificação? Nosso pensamento é livre e propositivo ou meramente receptivo?

Os Físicos não costumam responder a essas perguntas e Comte, como um admirador dessa ciência também não respondeu. Porém a pergunta fica. Já que sabemos por onde a Ciência constrói seus conceitos e como demonstra a verdade, a exemplo de como a Física Social explica a Educação, será o conhecimento científico ensinado a nós há séculos, uma relação de autoridade necessária entre gerações adultas e infantis em um tipo histórico de sociedade? Como será que Ciência se explica? Vamos observar?

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